19 agosto 2008

Batalha Espiritual



"Embarcamos nisso porque não temos definição teológica clara, diz Bispo Paulo Ayres..."


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No dia 12 de junho, pouco depois da vitória do Sport Club do Recife sobre o Corinthians pela Copa do Brasil, a cantora gospel Ana Paula Valadão trazia em seu blog (espécie de diário publicado na Internet) os comentários a respeito de um Seminário de Intercessão ocorrido no Recife dias antes. Dizia a cantora:


Nos últimos dias temos visto Deus agir de maneira tremenda em Recife, e por toda a parte, nos preparando para o que Ele irá fazer nos dias 4 e 5 de julho sobre aquela terra e sobre toda a nossa nação. No fim de semana aconteceu ali o Seminário de Intercessão, e nas palavras dos guerreiros que participaram, foi um dos mais marcantes dos 36 que já passaram por esse Brasil a fora. Ao preço de dores de parto, um enorme peso espiritual foi quebrado, houve muitas libertações de vidas e da atmosfera da cidade, e o Senhor tem revelado profeticamente a Sua glória para aquele lugar. Enquanto o seminário acontecia, no Chevrolet Hall a cidade celebrava uma das maiores festas de S. João do Nordeste. Mas cremos que estaremos ali tomando posse do terreno do inimigo. Acreditamos que esta nação será conhecida pelas festas ao Rei Jesus! Na madrugada de domingo para segunda, depois do seminário, os noticiários publicaram a morte do fundador do “Galo da Madrugada”, o maior festival da cidade, que já chegou a reunir 3 milhões de pessoas pelas ruas do Recife. Ficamos boquiabertos. Ele faleceu de uma cirurgia no joelho. Outro evento importante foi ver essa semana, o Sport Club do Recife se tornar o campeão do Campeonato do Brasil! Os jogadores, muitos crentes, glorificavam a Deus e até declararam na mídia que esta vitória foi o cumprimento das promessas do Senhor. Creio que também não é coincidência ver na bandeira do Recife, um leão segurando uma cruz. Deus tem Seus planos e estratégias e não é em vão que estaremos indo ali exatamente nesta hora.

As afirmações da cantora baseiam-se em uma doutrina bastante difundida no meio evangélico, conhecida como “batalha espiritual”. Para os adeptos desta doutrina existe um permanente conflito entre a Igreja de Cristo e Satanás, que se manifesta permanentemente no cotidiano dos crentes. Neste campo de batalha espiritual, as dificuldades financeiras, desemprego, as doenças físicas e, sobretudo, os desequilíbrios emocionais são atribuídos à ação de demônios.

Parece até que o diabo tem mais controle sobre os acontecimentos do que o próprio Deus. Por isso, a expulsão de demônios ou libertação da opressão demoníaca passou a ser a ênfase e prática de várias igrejas evangélicas. Acredita-se que as correntes de oração possam “amarrar” entidades espirituais, criar muralhas de proteção contra elas ou garantir a posse de territórios inimigos.

Acreditar que um time de futebol tenha ganho uma partida por intervenção divina parece brincadeira de mau gosto. Como hoje muitos times de futebol possuem jogadores evangélicos, se Deus fosse atender os pedidos de vitória, a maioria das partidas terminaria em empate. Na ocasião, um colunista do jornal Folha de S.Paulo lançou uma jocosa provocação à torcida corintiana, apelidada de “Fiel”: “Deus é Fiel, mas foi tirar uns dias de folga no nordeste”. Mas, muito mais assustador é pensar que essa doutrina seja levada ao extremo de fazer um cristão interpretar a morte de uma pessoa (por mais pecadora que a julgue) como resultado de intercessão.

A “beligerância” dessa fé suplanta o mandamento máximo do amor? “Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva”. Ezequiel 33.11. Quem nos lembra deste versículo é o bispo Paulo Ayres, professor na Faculdade de Teologia na Universidade Metodista de São Paulo. Jesus deu sua vida justamente para buscar e salvar o perdido (Lucas 19.10)
O bispo Paulo Ayres explica que o fundador do metodismo, John Wesley, nunca contestou a possibilidade do ser humano ser objeto de ciladas demoníacas e cair em tentação. Uma das bases bíblicas é a carta aos Efésios: “Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo; porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celeste”s, Efésios 6.11-12. “Mas Wesley nunca concedeu paridade ontológica entre Deus e o diabo”, ou seja, Deus e o diabo não compartilham da mesma essência, não têm o mesmo poder, pois Deus é Soberano. “Na batalha espiritual, parece que Deus e o diabo têm, praticamente, o mesmo poder”, critica Ayres. O bispo destaca que, no texto de Jó, fica bem claro que o diabo está debaixo da soberania e autoridade de Deus. No capítulo 1, versículo 6, os filhos de Deus “apresentam-se perante o Senhor” e Satanás estava entre eles.

Transferir a responsabilidade dos maus atos humanos à ação do demônio, como se o ser humano não tivesse liberdade de escolha, é outra leitura dessa doutrina que contraria os ensinos wesleyanos, ensina Ayres. “A transferência de responsabilidade humana a uma entidade demoníaca nega a responsabilidade humana. Se eu não sou responsável, sou um boneco, um joguete nas mãos de Deus ou do diabo. O ensino wesleyano vai em outra direção”. Ele explica que, para John Wesley, o ser humano não teria condições de, por si mesmo, se libertar do pecado. “Mas a graça preveniente nos capacita a responder a Deus afrimativa ou negativamente”, diz o bispo. Essa graça preveniente (ou preventiva) é a misericórdia divina que, agindo em favor do ser humano, permite que ele seja salvo. Essa graça não apenas está disponível, mas está presente em todas as pessoas, atuando ao lado da consciência humana. E, ainda assim, o soberano Deus não nos força a aceitá-la. O ser humano tem liberdade até de resistir à graça de Deus; ele é responsável por sua própria salvação.

Contudo, os adeptos da doutrina da batalha espiritual tendem a atribuir ao demônio suas quedas, culpas e neuroses, esquecendo-se de que Jesus dizia que é “de dentro do coração do homem que procedem os maus desígnios” (Mateus 15.19).

Paulo Romeiro, no livro “Evangélicos em Crise” (Editora Mundo Cristão), conta que uma preletora de batalha espiritual relata num de seus livros o caso de uma senhora que, após ter tido um envolvimento profundo com uma religião afro-brasileira, converteu-se e casou-se com um pastor. Então, de repente, o marido começou a se prostituir. Segundo a avaliação da autora do livro, ele teria caído em adultério por influência das entidades com as quais a esposa esteve envolvida, pois ainda faltava à mulher recém-convertida “quebrar os vínculos com os demônios”. Tal pensamento opõe-se ao próprio conceito de conversão, destaca Romeiro, pastor de uma igreja pentecostal . Ele lembra que a conversão implica em sair das trevas para a luz. A Palavra de Deus é suficiente para libertar, como afirmou o Senhor Jesus: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (...) Se, pois o Filho do homem vos libertar, verdadeiramente sereis livres”.

O pastor metodista Daniel Rocha, no artigo “Xô, tentação”, publicado no site da Igreja Metodista, afirma que o diabo não tem o poder de colocar nenhuma tentação dentro de nós. Ele apenas desperta o que já existe: “cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz” (Tg 1.14). “Que cada crente no Senhor saiba que pelo Espírito Santo em sua vida, ele pode dizer “não” à mais vigorosa tentação. Que cada um reconheça que por sua própria força, por sua “moral”, nada pode fazer, mas pela graça pode decidir pelo que o Senhor se agrada”, diz ele. “Ser tentado faz parte de nossa condição humana, mas podemos passar relativamente tranqüilos por essa prova quando ouvimos o que diz o Senhor: “em vos converterdes e em sossegardes está a vossa salvação; na tranqüilidade e na confiança, a vossa força” (Is 30.15).


Por Suzel Tunes

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08 agosto 2008

A VERDADEIRA HISTORIA DO TRÁFICO NO RIO



EU AJUDEI A DESTRUIR O RIO!


Sylvio Guedes, editor-chefe do Jornal de Brasília, critica o 'cinismo' dos jornalistas, artistas e intelectuais ao defenderem o fim do poder paralelo dos chefes do tráfico de drogas. Guedes desafia a todos que 'tanto se drogaram nas últimas décadas que venham a público assumir: eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro'. Leia o artigo na íntegra:
'Eles ajudaram a destruir o Rio'.
É irônico que a classe artística e a categoria dos jornalistas estejam agora na, por assim dizer, vanguarda da atual campanha contra a violência enfrentada pelo Rio de Janeiro. Essa postura é produto do absoluto cinismo de muitas das pessoas e instituições que vemos participando de atos, fazendo declarações e defendendo o fim do poder paralelo dos chefões do tráfico de drogas. Quando a cocaína começou a se infiltrar de fato no Rio de Janeiro, lá pelo fim da década de 70, entrou pela porta da frente. Pela classe média, pelas festinhas de embalo da Zona Sul, pelas danceterias, pelos barzinhos de Ipanema e Leblon. Invadiu e se instalou nas redações de jornais e nas emissoras de TV, sob o silêncio comprometedor de suas chefias e diretorias. Quanto mais glamuroso o ambiente, quanto mais supostamente intelectualizado o grupo, mais você podia encontrar gente cheirando carreiras e carreiras do pó branco. Em uma espúria relação de cumplicidade, imprensa e classe artística (que tanto se orgulham de serem, ambas, formadoras de opinião) de fato contribuíram enormemente para que o consumo das drogas, em especial da cocaína, se disseminasse no seio da sociedade carioca - e brasileira, por extensão. Achavam o máximo; era, como se costumava dizer, um barato. Festa sem cocaína era festa careta. As pessoas curtiam a comodidade proporcionada pelos fornecedores: entregavam a droga em casa, sem a necessidade de inconvenientes viagens ao decaído mundo dos morros, vizinhos aos edifícios ricos do asfalto. Nem é preciso detalhar como essa simples relação econômica de mercado terminou. Onde há demanda, deve haver a necessária oferta. E assim, com tanta gente endinheirada disposta a cheirar ou injetar sua dose diária de cocaína, os pés-de-chinelo das favelas viraram barões das drogas. Há farta literatura mostrando como as conexões dos meliantes rastacuera, que só fumavam um baseado aqui e acolá, se tornaram senhores de um império, tomaram de assalto a mais linda cidade do país e agora cortam cabeças de quem ousa-lhes cruzar o caminho e as exibem em bandejas, certos da impunidade. Qualquer mentecapto sabe que não pode persistir um sistema jurídico em que é proibida e reprimida a produção e venda da droga, porém seu consumo é, digamos assim, tolerado. São doentes os que consomem. Não sabem o que fazem. Não têm controle sobre seus atos. Destroem famílias, arrasam lares, destroçam futuros.

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Que a mídia, os artistas e os intelectuais que tanto se drogaram nas três últimas décadas venham a público assumir: 'Eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro.' Façam um adesivo e preguem no vidro de seus Audis, BMWs e Mercedes.'



Fonte: Jornal de Brasília.